Bebé morre à porta do Hospital de Anadia
Acerca deste caso, em baixo estão descritos dois artigos do jornal 'Correio da Manhã'
"Actualidade
2008-01-19 - 00:00:00
Drama à porta de Urgência fechada
Morte perto do hospital
A morte de um bebé de dois meses, ontem de manhã, à porta do Hospital José Luciano de Castro, em Anadia, cujo serviço de Urgência foi encerrado pelo ministro Correia de Campos no dia 2 de Janeiro, está a ser usada para ampliar o coro de protestos à política de Saúde. A população e autarcas do concelho não escondem a revolta e garantem que “se a Urgência ainda funcionasse o menino poderia ter tido melhor assistência”.
Os pais do pequeno Rodrigo, residentes em Ancas, a oito quilómetros
do centro da cidade, são os únicos a recusar atribuir
culpas e garantem que “a assistência foi boa”. Em
declarações ao CM, o pai, José Alferes, de 26 anos,
disse que quando acordou de manhã “o bebé já
estava roxo, não respirava e o pulso era fraquinho”. “Metemo-nos
logo no carro e, já a caminho, liguei para o 112. Nunca deixaram
de falar comigo ao telemóvel e mandaram-me seguir para o Hospital
de Anadia, onde o médico do INEM de Coimbra iria ter”,
conta.
As manobras de reanimação ao bebé foram feitas dentro de uma ambulância, inicialmente por dois técnicos de emergência – que estavam colocados junto à antiga Urgência –, com o apoio telefónico de um pediatra do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) de Coimbra, e, cerca de 18 minutos depois, pela equipa médica da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação), que veio do Hospital dos Covões, em Coimbra.
Fernando Pina, presidente da Junta de Arcos, que naquele momento passou junto ao hospital e estranhou ver tanta agitação no meio da estrada, disse ao CM que “a mãe do menino andava à volta da ambulância a tentar perceber o que estava a acontecer e nas janelas do hospital havia várias pessoas a assistir ao que decorria cá fora”. A testemunha, que chegou a tirar fotografias, considera que “o tratamento dado a esta situação foi de uma total falta de dignidade não só para com a criança mas acima de tudo para os pais”.
O director clínico do Hospital José Luciano de Castro, Rui Simões, adianta que o seu serviço “não teve qualquer intervenção neste caso”, até porque não faz serviço de Urgência, e afiança que não tem conhecimento que o pessoal do hospital tenha ficado a assistir à intervenção da VMER , até porque ele próprio só “soube pela Comunicação Social” do ocorrido.
Ao contrário da bebé que morreu entre Carregal do Sal e Viseu, que tinha problemas congénitos, Rodrigo “estava bem”. Segundo o pai, “tinha ido a semana passada a Coimbra fazer exames à faringe por causa de uma pieira que tinha ao respirar, mas o pediatra disse que estava tudo bem”.
A família regressou ontem à tarde do Hospital Pediátrico de Coimbra convencida de que o filho terá sido vítima de morte súbita e só espera a libertação do corpo para fazer o funeral, que ainda não está marcado.
O MINISTRO CUJAS AVÓS JÁ MORRERAM
O ministro da Saúde, Correia de Campos, fez ontem uma declaração infeliz durante uma visita ao Centro Hospitalar de Coimbra. “Se as suas avozinhas ou bisavós não tivessem morrido, ainda hoje eram vivas, certamente.” Apesar de se referir às obras do novo Hospital Pediátrico de Coimbra, que já deveriam estar prontas, a frase do ministro – dirigida a um jornalista – não caiu bem num dia em que faleceu mais um bebé dentro de uma ambulância.
TRÊS CASOS NUMA SEMANA
Além das mortes de Rafaela Monteiro e de Rodrigo Alferes há a juntar, ao que o CM apurou, a de uma outra criança de tenra idade, ocorrida na segunda-feira na Murtosa, distrito de Aveiro. Um bebé de dois meses foi transportado pelos pais ao centro de Saúde local, evidenciando já sinais de paragem cardiorrespiratória. Apesar da rapidez com que os pais chegaram e das tentativas de reanimação, os médicos nada puderam fazer. O corpo foi levado para autópsia no Gabinete Médico Legal de Aveiro, suspeitando-se de síndrome de morte súbita.
"JÁ TEMOS UM MÁRTIR EM ANADIA" (Litério Marques, presidente da Câmara)
Correio da Manhã – A morte deste bebé tem, para si, relação directa com o fecho das Urgências?
Litério Marques – A população sempre disse que não podia ficar sem este serviço. Esta morte mostra que já temos um mártir em Anadia.
– Acredita que este desfecho poderia ter sido evitado se ainda existisse Urgências?
– Não sei se era evitado. O que sei é que a criança teria tido outras condições. Seria atendida dentro de um serviço de Urgência por médicos competentes, com formação em suporte avançado de vida, e não estaria tanto tempo a ser reanimado por uma equipa da VMER que veio para Anadia com cinco semanas de formação.
– Se neste momento pudesse falar com o ministro, o que lhe diria?
– Que se demita. Já vi muitos outros demitirem-se por coisas menos graves. Não acho que ele possa continuar como se nada fosse quando temos crianças e idosos neste País a morrer por falta de assistência médica.
INQUÉRITO CONCLUI QUE MORTE DE RAFAELA ERA "INEVITÁVEL"
A Sub-região de Saúde de Viseu (SRS-V) considera que a bebé de três meses falecida quinta-feira no interior de uma ambulância dos Bombeiros de Cabanas de Viriato – durante o percurso entre Carregal do Sal e o Hospital de Viseu – foi tratada “com grande responsabilidade e dedicação”, pelo que ninguém será responsabilizado.
A SRS-V mandou instaurar um processo de averiguações interno e, durante uma reunião de três horas, realizada ontem de manhã no Centro de Saúde de Carregal do Sal – onde estiveram as pessoas que trataram a menina –, concluiu-se que a morte de Rafaela Monteiro foi “inevitável”.
José Carlos Almeida, coordenador da SRS-V, disse ao CM que, após se ter analisado “detalhadamente” a forma como a bebé foi atendida, se verificou que “tudo decorreu dentro da normalidade”.
“A criança tinha muitos problemas de saúde. Na véspera da morte esteve no Centro de Saúde de Carregal do Sal para uma consulta de rotina e nada apontava para o agravamento do seu estado. Na quinta-feira, e numa situação de urgência, o médico que a atendeu aproveitou a presença de uma ambulância e encaminhou-a para Viseu”, explicou o responsável.
E por que não foi accionada pelo mesmo clínico uma viatura do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM)? José Carlos Almeida salienta que se “tratava de uma situação de urgência, pelo que o clínico achou que seria mais rápido aproveitar a ambulância que estava à porta do centro de saúde. Infelizmente esta criança morreu, mas estamos cientes de que foi tratada com grande responsabilidade e dedicação”, concluiu o coordenador da SRS-V.
BOMBEIROS TERÃO RESPONSABILIDADE
A Associação Nacional dos Técnicos de Emergência diz que o caso revela as “fragilidades do sistema” e vai pedir um inquérito aos bombeiros, que terão actuado “com negligência grosseira”, por não terem chamado o INEM.
TINHA GRAVES PROBLEMAS
Rafaela Monteiro sofria de graves problemas congénitos, sobretudo ao nível cardíaco e renal. Morreu vítima de cardiopatia congénita, embrulhada num cobertor e ao colo da mãe.
INEM REJEITA DESENCONTROS
O porta-voz do INEM refutou ao CM as acusações feitas por autarcas de Anadia de que teria havido desencontros entre a ambulância e a Viatura Médica de Emergência Rápida (VMER). “Não houve desencontro entre a ambulância e a VMER. A criança foi assistida de forma rápida e adequada.” Enquanto decorria o telefonema entre o pai da criança e o médico operador do CODU – Centro de Orientação dos Doentes Urgentes –, foi mobilizada uma VMER para o Hospital de Anadia. À unidade de Saúde chegou em simultâneo o automóvel onde se deslocava a família e uma ambulância de socorro. Segundo informações da família ao INEM, a criança tinha problemas respiratórios, dado que sofria de laringomalácia e faringite. Terá morrido de síndrome de morte súbita.
DEPOIMENTOS
MORREU EM AGONIA
As circunstâncias da morte da bebé dominaram as conversas no funeral. Maria da Conceição disse que a menina “morreu em agonia”, porque foi transportada para o Hospital de Viseu sem condições. “Eu acredito que os médicos fazem tudo para o bem do doente, mas às vezes também falham. Não sei se foi este o caso, mas desta vez algo correu mal”, adiantou a idosa.
CRAVOS BRANCOS
“Esta menina era adorada pelos pais, que tudo fizeram para lhe proporcionar bem-estar, apesar do seus graves problemas de saúde”, adiantou uma amiga dos pais que, salientou, “não têm a mínima coisa a apontar aos médicos”. Em homenagem à bebé, a maioria das pessoas levou um cravo branco.
NOTAS
VIGÍLIA MARCADA
O Movimento Unidos pela Saúde marcou para as 20h00 de hoje, em frente à Câmara de Anadia, uma vigília de homenagem à criança.
MINISTRO EVITA MANIF
O ministro da Saúde evitou ontem uma manifestação na entrada principal do Hospital dos Covões e entrou por um acesso secundário.
CHAMADO AO PARLAMENTO
CDS-PP, Bloco de Esquerda e PCP já pediram a presença do ministro da Saúde no Parlamento para ser confrontado com estas mortes.
TESTEMUNHA NA RUA
Fernando Pina fotografou as “estranhas” movimentações em redor da ambulância, no meio da rua e bloqueando o acesso ao hospital.
Carla Pacheco / Luís Oliveira"
"Actualidade
2008-01-19 - 16:18:00
Anadia
Bebé pode ter sido vítima
de morte súbita
O bebé de três meses que morreu ontem à porta do Hospital de Anadia pode ter sido vítima da síndroma de morte súbita, informou este sábado o presidente do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro (ARS), José Pedro Pimentel, apesar de não ter ainda conhecimento do resultado oficial da autópsia.
Segundo o responsável, que falava numa conferência de imprensa
em Coimbra, todos os procedimentos, quer por parte dos pais do bebé
quer pelo pessoal médico, “foram correctamente realizados”,
sendo que o “atendimento e cuidados prestados à criança
foram aqueles cuidados indispensáveis perante situações
clínicas deste tipo".
José Pedro Pimentel explicou ainda que o “bebé encontrava-se em paragem cardio-respiratória e assim se manteve até ao Hospital Pediátrico de Coimbra. Mesmo assim, foram-lhe garantidas todas as tentativas de ressuscitação cardio-pulmunar até ao Hospital Pediátrico”.
