As monstruosidades do sistema
"Jornal de Negócios
OPINIÃO Publicado 25 Janeiro 2008
Baptista Bastos
As monstruosidades do sistema
O conceito de empresa pública e empresa privada não
possui as disjunções que, habitualmente, lhes são
atribuídas. Em ambas os dinheiros são sempre públicos:
ou através dos depósitos bancários, ou nos empréstimos
contraídos. Os dinheiros serão nossos, adquiridos com o
nosso trabalho ou as nossas poupanças. Não constitui nenhuma
novidade, o que digo. Depois, os malabarismos dos poderes fazem a soma
e o resto.
As democracias articulam-se neste sistema. E como não há democracias perfeitas, os sistemas inclinam-se, obviamente, em benefício daqueles que estatuem os códigos, as leis e as regras. Significa que o sistema está repleto de monstruosidades.
O caso da extraordinária reforma do dr. Paulo Teixeira Pinto obedece a esse sistema. Claro que brada aos céus, e Deus ficará certamente incomodado, que o dr. Teixeira Pinto, dedicado católico e ex-zeloso membro do Opus Dei, vá auferir, até ao remate final dos seus dias, uma reforma equivalente a 7 500 contos mensais. Diz-se, também, que recebeu 10 milhões de euros, como indemnização, por ter saído do BCP. Naturalmente, os céus não vão chorar, nem Deus dará sinais de inquietação por tal desconchavo.
Dizem-me que o dr. Paulo Teixeira Pinto, independentemente do ar tenebroso que ostenta, é homem de riso fácil e fina ironia, além de não confundir Kiri Te Kanawa com Madalena Iglésias, nem Thomas Bernhard com Lobo Antunes. Até se diz que, contrariando as indicações do Índex Librorum Prohibitorum, sempre foi leitor entusiasta de autores apontados à execração. Enfim: pessoa prevenida, reservada, cauta e perigosa. Porquê?, perguntará o Dilecto. Ora: um sujeito assim dotado representa ameaça para uma “elite” que faz gala da ignorância e exposição radiante das suas riquezas. Não será, porventura, muito cristão aceitar tamanho maço de notas, quando há dois milhões de portugueses com fome, meio milhão de desempregados e o resto completamente desesperado. Isto dirá, ressentido e colérico, todo aquele que não recebeu, durante uma vida de trabalho, metade do que o dr. Teixeira Pinto receberá por ano. Eu, não o direi. Espero é que o dr. Teixeira Pinto não apareça nas televisões a conclamar a necessidade de sacrifícios – como o outro reformado com 3 600 contos mensais, por seis meses de “função” na Caixa Geral de Depósitos.
Independentemente dos conceitos de “privado” e de “público” há algo de imoral nestas reformas sumptuosas. E o próprio conhecimento desses aleijões separa, cada vez mais, o grupo de privilegiados detentor dos vários poderes, e aqueles que, por infortúnio ou desgraça de classe, servem de trampolim às escaladas triunfantes. É evidente que o dr. Paulo Teixeira Pinto, a quem desejo longa e jubilosa vida, boas leituras e cuidadoso resguardo, não irá distribuir os 7 500 contos pelos pobres da freguesia em cuja igreja vai orar. Porém, no seu íntimo, nos arcanos das suas reflexões, certamente admitirá que é dinheiro a mais aquele que auferiu e que auferirá – fora os trocos.
Dá para reflectir. E acrescente a essa reflexão o elucidativo texto de Maria João Gago, publicado neste jornal, na terça-feira, dia 22, p.p., sob o título: “Reformas de ex-gestores do BCP superam custos da OPA ao BPI.”
Sabe-se: este numerário escandaloso, oferecido a reformados de luxo, não é de agora. Sobre o dr. Cavaco, actualmente com tanta indignação pelos acontecidos, impende, também, ou talvez sobretudo, parte substancial da responsabilidade pela subida surpreendente das somas destas aposentações. Quando primeiro-ministro, não as travou. E, igualmente, distribuiu sinecuras e tenças por muitos daqueles que o apoiaram. Dir-se-á: ingenuidades de iniciado. Direi: manhosice e astúcia. Um homem sério não é, apenas, o que não põe a mão nos bolsos dos outros. É aquele, quase irrepreensível, que espalha, em seu redor, a ética do despojamento e da integridade, com a exigência do espírito de missão. Evidentemente, o dr. Cavaco é um homem sério, nesse sentido doméstico, porém nobre, da expressão. Mas repare-se na ascensão, por vezes meteórica, de quase todos aqueles da corte.
Creio que as advertências do dr. Cavaco não vá cair
em saco roto. Dois anos após a sua posse, torna-se cada vez mais
notório que é ele quem dirige as linhas fundamentais da
governação. Hirto, grave, imperturbável, vai indicando
erros na saúde, na educação, nos excessos da distribuição
dos rendimentos. Subrepticiamente critica o aumento do desemprego, a ausência
de alternativas. Sustentou o que era sustentável, segundo a lógica
da sua ideologia. Não esqueçamos que, apesar de tudo, o
dr. Cavaco é conservador. Apesar de tudo, porque sua mulher se
afirmou de centro-esquerda. Se as mulheres exercem influência sobre
os homens (eu que o diga!), então bem-aventuradas sejam –
e, neste particular, a dr.ª Maria Cavaco!
APOSTILA 1 – Na última sexta-feira, a RTP2
exibiu um documentário impressionante, “Fantasmas de Abu
Ghraib”, cujo conteúdo indica, inequivocamente, George W.
Bush e Donald Rumsfeld como sinistros criminosos de guerra. As práticas
recomendadas por aqueles dois cavalheiros, a fim de se obter informações,
a todo o custo e a qualquer preço, de prisioneiros no Iraque –
mas, também, em Guantanamo -, ferem os mais elementares direitos
humanos e provocam a indignação e a cólera em todos
os homens de bem. Além de terríveis depoimentos prestados
por torturados, apresentam-se outros, pungentes, dos torturadores. O documentário
merecia um debate. Sobretudo com a presença daqueles comentadores
“independentes” que caucionaram a invasão naquele país
e, até agora, não manifestaram o mínimo remorso nem
apresentaram a menor desculpa. A visão de “Fantasmas de Abu
Ghraib” trouxe-me à memória o pobre do Durão
Barroso, sorridente, venerador e obsequioso, a servir de mordomo, nos
Açores, aos três senhores da guerra: Bush, Blair e Aznar.
Têm sido todos promovidos. O Blair, agora, até se autopromoveu
a católico. Mas não consta ter confessado os crimes de que
é corresponsável. Quanto ao Barroso, parece estar interessado
em voltar a “liderar” o PSD.
Deus perdoar-lhes-á? Já lhes perdoou?
APOSTILA 2 – O extraordinário ministro Correia de Campos afirmou, na terça-feira, a Mário Crespo, na SIC-Notícias, que estava a ferir os interesses das corporações. Só se for as corporações de doentes."
