Tropa revoltada com novo RDM
Artigo do jornal 'Expresso'
"Tropa revoltada com novo RDM
Projecto do novo Regulamento de Disciplina Militar pune reformados e recupera princípios que já haviam sido abolidos
Expresso de 12 de Março de 2008
Luísa Meireles
A preocupação em clarificar parece ter sido fatal para os autores do anteprojecto do novo Regulamento de Disciplina Militar (RDM), cuja redacção abriu uma ampla frente de polémica com os militares.
Distribuído às associações e chefias militares para se pronunciarem, o projecto tem como ponto principal de contestação a manutenção da sua aplicação aos militares reformados — tal como sucede com o RDM em vigor —, embora delimitando as penas a que estão sujeitos.
Apesar de salvaguardar a não aplicação do RDM em relação a um conjunto de deveres militares, não excepciona expressamente o dever de lealdade. Este, contemplado no art. 16a do documento a que o Expresso teve acesso, prevê, entre outras coisas, que o militar não pode "manifestar de viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio, ideias contrárias ou ofensivas...", nem "tomar parte em manifestações colectivas". Uma disposição que, segundo as associações, antigos chefes militares e juristas em geral, vai contra a própria Constituição, que estipula que apenas os militares em serviço efectivo podem ser sujeitos a restrições ao exercício de direitos.
De acordo com o RDM em vigor (art. 5S), os chefes têm um poder discricionário quanto ao entendimento dos deveres a que os militares reformados estão sujeitos, podendo ser-lhes aplicada uma panóplia de penas, tal como aos indivíduos no activo. Por absurdo, comentadores militares conhecidos e reconhecidos, como o general Loureiro dos Santos, cairiam na alçada do regulamento.
Facto que nunca aconteceu porque, até agora, sempre tem sido entendido que, dada a restrição de direitos dos militares, é "salutar" que os reservistas ou reformados possam assumir opiniões, funcionando como "esclarecedores ou válvula de escape", como reconheceu um oficial superior.
Pela primeira vez, porém, está neste momento em curso um processo disciplinar contra um coronel reformado, por proferir no seu blogue declarações alegadamente ofensivas ao chefe de Estado-Maior da Força Aérea.
Mas o âmbito de aplicação do RDM não é o único elemento de contestação. Igualmente controversa é a introdução da punição disciplinar e criminal pelo mesmo delito, à semelhança do Estatuto dos Magistrados. Uma 'civilização' do regulamento a que os militares se mostram particularmente avessos, já que o princípio da dupla punição, vigente no RDM de 1925, havia sido abolido no actual. O actual projecto foi feito em colaboração com o Ministério da Justiça e sujeito ao parecer de Conselho de chefes.
Este princípio da 'punição por natureza da condição' é igualmente patente em pontos como o da obrigatoriedade dos tribunais comunicarem às chefias a existência de processos-crime contra militares, ou destes só poderem aceitar homenagens se devidamente autorizados. Quanto ao cumprimento das penas, elas terão mesmo de ser cumpridas, independentemente da possibilidade de recurso aos tribunais. E mantém-se a ideia de qualquer pena poder ser aplicável a qualquer delito, sem graduar a sua gravidade.
Todavia, o projecto alarga os direitos e garantias dos militares em alguns pontos, nomeadamente no decurso do processo disciplinar, passando a ter direito a um defensor em todos os momentos (a norma do actual RDM não o previa, sendo inconstitucional).
As associações consideram que, tal como está, o anteprojecto atribui às hierarquias um "inaceitável poder de superintendência do exercício dos direitos cívicos dos militares, nomeadamente de reunião, expressão e manifestação". Mas o secretário de Estado da Defesa sublinhou ao Expresso que "se trata apenas de um anteprojecto em fase de consultas, que nem sequer foi a Conselho de ministros e que poderá ser analisado em Conselho Superior de Defesa Nacional".
LUÍSA MEIRELES
lmeireles@expresso.pt"
