Generais insurgem-se contra o estado a que isto chegou
Artigo do jornal 'Semanário'
"Generais insurgem-se contra
o estado a que isto chegou
2008-04-10 22:33
Vários generais que desempenharam funções
de chefia nas Forças Armadas não têm calado a sua
revolta pelo estado a que o país chegou, criticando o não
cumprimento das promessas feitas pelo governo aos militares, a falta de
equipamento das Forças Armadas, o fim do voluntariado, a falta
de um conceito estratégico de Defesa Nacional e, num plano mais
vasto, os vícíos do sistema político, a promiscuidade
entre o poder político e económico, a crise económica
e social, as asssimetrias na distribuição do rendimento,
o imediatismo, o populismo e a desinformação da comunicação
social, a perda da liberdade e da independência nacional. No passado
domingo, no dia do Combatente, o general Rocha Vieira referiu que poderemos
estar perante um "futuro sem liberdade". Entretanto, o último
número da "Revista Militar" foi inteiramente preenchido
com artigos de vários generais contra a contra a situação
vigente. Em editorial, o general Espírito Santo diz que "a
Lei da Programação Militar constitui um embuste". Na
mesma revista, o general Loureiro dos Santos escreve que os "Os militares
sentem-se maltratados pelo poder político". Por sua vez, o
general Martins Barrento considera que hoje as Forças Armadas estão
submetidas não só aos interesses de Estado mas também,
por via da promiscuidade existente, ao poder económico e mediático.
Há dois meses, o general Garcia Leandro foi o primeiro a manifestar-se,
referindo que "a explosão social está a chegar"
a Portugal.
Vários generais que desempenharam funções de chefia nas Forças Armadas não têm calado a sua revolta pelo estado a que o país chegou, criticando o não cumprimento das promessas feitas pelo governo aos militares, a falta de equipamento das Forças Armadas, o fim do voluntariado, a falta de um conceito estratégico de Defesa Nacional e, num plano mais vasto, os vícios do sistema político, a promiscuidade entre o poder político e económico, a crise económica e social, as asssimetrias na distribuição do rendimento, o imediatismo, o populismo e a desinformação da comunicação social, a perda da liberdade e da independência nacional. No passado domingo, no dia do Combatente, também assinalando o 90.º aniversário da Batalha de La Lys, o general Rocha Vieira, actual chanceler das Antigas Ordens Militares, nomeado por Cavaco Silva considerou que "vivemos tempos de crise em que se esquece o valor do serviço e o respeito pela realidade, tempos que ignoram o passado da independência e anunciam um futuro sem liberdade". Entretanto, o último número da "Revista Militar" foi inteiramente preenchido com artigos de vários generais contra a contra a situação vigente. Em editorial, o ex-CEMGFA general Espírito Santo, considerou que "a Lei da Programação Militar constitui um embuste". Na mesma revista, o general Loureiro dos Santos escreveu que os "Os militares sentem-se maltratados pelo poder político". Por sua vez, o general Martins Barrento referiu que hoje as Forças Armadas estão submetidas não só aos interesses de Estado mas também, por via da promiscuidade existente, ao poder económico e mediático. Num extenso artigo, o ex-CEME, Martins Barrento também refere que há o risco de"as Forças Armadas se poderem sentir como um corpo estranho na nação". Recorde-se que o general Garcia Leandro foi o primeiro a manifestar-se, em Fevereiro passado, contra o estado de coisas no país, num artigo publicado no "Expresso". Com palavras que nunca se tinham ouvido na boca de um general, ainda para mais com funções actuais de presidente do Observatório de Segurança, Garcia Leandro escreveu, entre muitas outras frases polémicas que "a explosão social está a chegar" e que "vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa" em Portugal. O SEMANÁRIO publica extractos das intervenções e dos artigos publicados pelos generais.
General Garcia Leandro
(...) Se sinto a revolta crescente daqueles que comigo contactam, eu próprio começo a sentir que a minha capacidade de resistência psicológica a tanta desvergonha, mantendo sempre uma posição institucional e de confiança no sistema que a III República instaurou, vai enfraquecendo todos os dias. Já fui convidado para encabeçar um movimento de indignação contra este estado de coisas e tenho resistido. Mas a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa. É óbvio que não será pela acção militar que tal acontecerá, não só porque não resolveria o problema mas também porque o enquadramento da UE não o aceitaria; não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões. Isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta. Os sintomas são iguais aos que aconteceram no final da Monarquia e da I República, sendo bom que os responsáveis não olhem para o lado, já que, quando as grandes explosões sociais acontecem, ninguém sabe como acabam. E as más experiências de Portugal devem ser uma vacina para evitar erros semelhantes na actualidade (...).
Nota: artigo publicado no jornal "Expresso" de 11-2-2008
General Loureiro dos Santos
(...) "O Estado português não age no quadro de um conceito estratégico nacional que tenha formulado. Verdadeiramente, não se sabe bem qual o motor da sua acção, o cimento que articula as várias políticas sectoriais (...). Se as políticas de defesa fossem eficientes, elas assegurariam a possibilidade das Forças Armadas disporem permanentemente dos recursos humanos necessários, através de um sistema de serviço militar misto - com quadros permanentes vinculados ao serviço das armas como opção perene, militares com vínculo profissional de curta duração e militares provenientes da conscrição. Com a capacidade de manter o nível adequado de efectivos em todas as circunstâncias, sem custos exorbitantes, e de transmitir a uma parte significativa dos portugueses e portuguesas um contacto útil com a prática rigorosa dos valores nacionais. Como o patriotismo e o sentimento de pertença a um país com identidade própria, o culto dos mais elevados valores humanos e do sentido do cumprimento da missão, assim como a importância das virtudes militares - a lealdade, a honra, a coragem moral e física, o culto da disciplina e o espírito de sacrifício." (...) "os militares sentem-(se) maltratados pelo poder político, que teima em não cumprir algumas leis por ele próprio elaboradas que beneficiam os cidadãos militares. Ao mesmo tempo que toma decisões que os prejudicam, material e moralmente, no campo dos seus direitos sociais, esquecendo a importância da concretização do conceito "apoio à família militar", na sua devida extensão. (...) "Convém alertar que, sem políticas de defesa eficientes, o Estado não estará em condições de cumprir o essencial das funções que justificam a sua existência. Não é apenas a Segurança Nacional que se pode encontrar em perigo; será também prejudicada a possibilidade de atingir os níveis de bem-estar a que todos os portugueses se sentem com direito."
Nota: artigo publicado na "Revista Militar"
General Martins Barrento
"Na actualidade, a importância, pujança e apetência dos agentes económicos pelo poder, e a descoberta do poder que possuem aqueles que dirigem e veiculam a comunicação social levam estes poderes a emergir ao lado do poder político, em concorrência com ele ou a influenciá lo em âmbitos como os da segurança e do bem estar, que até aqui só ao Estado pertenciam. Desta situação resulta que a constituição, acção ou inacção da Instituição Militar possa hoje não ser determinada apenas pelos superiores interesses do Estado, os quais compete ao poder político assegurar, mas também por outros interesses." (...) A comunicação social, importante pilar da cidadania pela informação que transmite, não se limita infelizmente a esta nobre tarefa, porque, estando sujeita a critérios económicos e ideológicos, não se coíbe de, na defesa dos seus interesses, procurar o sensacionalismo, a polémica pela polémica, a venda fácil, mesmo que isso seja feito em prejuízo da verdade. Isto é, além de informar, também deforma e desinforma, tendo como efeito o de, quem a vê, lê ou ouve, apesar de saber frequentemente daquela situação, poder ainda pensar que aquilo que ela transmite é a verdade. A segurança, a defesa e as FA, sendo temas sobre os quais os cidadãos deveriam estar verdadeiramente informados, ao serem tratados por aqueles critérios, são de difícil leitura ou predispõem para a aceitação de ideias como as do elevado custo da organização militar, da sua resistência à mudança, da sua desnecessidade, etc., que obviamente não promovem o espírito de defesa que deveria existir, deformam a imagem da Instituição e afectam o moral daqueles que nela servem (...) A profissionalização da política, a apetência pelo poder, o desejo de cargos políticos, a importância dos votos que mais facilmente são obtidos através de promessas de um maior bem estar futuro e o calendário político que absorve as atenções e dirige a acção da política partidária secundarizam assuntos realmente de Estado, mas que não dão votos, como a segurança, a defesa, as FA (...) O espírito de defesa é uma forma de sentir dos cidadãos que os leva a constatar que há valores que devem ser defendidos, mesmo que para tal haja que fazer sacrifícios. Se este espírito de defesa for generalizado, as FA, que existem para, pelo combate, defenderem o nosso território, a nossa população e os nossos interesses, serão apoiadas física e moralmente; se tal não acontecer, começarão a sentir se como um corpo estranho na nação (...) Se for atingido o ponto de se aceitar que a defesa é desnecessária, teremos que concluir que um povo que pensa deste modo não merece ser defendido, ainda que isso signifique o ocaso de Portugal como Estado soberano. E este perigo pode vir a existir, se não houver por parte da Política medidas de carácter pedagógico sobre a cidadania e os valores a preservar."
Nota: artigo publicado na "Revista Militar"
General Espírito Santo
A Lei do Serviço Militar representa o compromisso da Nação e dos seus cidadãos para a defesa da Pátria, estabelecendo a Constituição da República que "A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses" (Art 276º). A actual Lei do Serviço Militar (Lei n.º 174/99, de 21 de Set.), estabelece que "em tempo de paz, o serviço militar baseia se no voluntariado" e que esta disposição "não prejudica as obrigações dos cidadãos portugueses inerentes ao recrutamento militar e ao serviço efectivo decorrente da convocação ou de mobilização". Acontece que este compromisso contratual não está a ser cumprido. Porque o voluntariado ainda não atingiu os níveis de efectivos necessários ao Sistema de Forças aprovado e porque quer o recenseamento, recentemente abolido, quer as normas reguladoras para a mobilização e convocação nunca foram definidas. Mais um compromisso quebrado (...) A Lei da Programação Militar constitui, em Portugal, um embuste. Primeiro porque o modelo de onde se foi copiar era uma Nação com uma sólida indústria de defesa, o que não é o caso português. A lei constituía um contrato, em tempo dilatado, para Estado, Forças Armadas e indústria de defesa assumirem compromissos entre necessidades operacionais e capacidade de produzir, garantindo postos de trabalho. Era essa a filosofia das leis de programação militar. Em Portugal, reconhecendo as necessidades de investimento numas Forças Armadas desajustadas ao ambiente estratégico e missões a desempenhar, mascarou se esse investimento - que podia ser inscrito anualmente no Orçamento - com promessas dilatadas no tempo, ultrapassando mesmo tempos de vida útil de armamentos e equipamentos, e que ou não são cumpridas ou são congeladas. E não vale a pena denunciar o não cumprimento do contrato, já que é o Estado o primeiro a colocar se ao lado das vozes que reclamam manteiga em vez de canhões, esquecendo as suas funções e razão de ser (...).
Nota: artigo publicado na "Revista Militar"
General Rocha Vieira
"Vivemos tempos de crise. São tempos de máscaras e aparências, em que se esquece o valor do serviço e o respeito pela realidade. São tempos que ignoram o passado da independência e anunciam um futuro sem liberdade" (...) É preciso reagir e saber escolher para ultrapassar o momento actual." É tempo "para voltarmos aos valores essenciais, para defendermos a memória dos que construíram Portugal independente, para honrarmos a responsabilidade de deixar aos sucessores mais do que aquilo que herdámos dos que nos antecederam". É preciso que os políticos assegurem a responsabilidade de "fazerem corresponder as missões que atribuem aos militares com os meios que põem à disposição dos que colocam em risco as vidas para as cumprir".
